Mário Sérgio Vellei
Desde tempos imemoriais, na própria origem da humanidade, nos momentos iniciais desta jornada pelo reino hominal, o Espírito encarnado busca vencer a dor e as vicissitudes, as angústias e os medos, buscando tranquilidade e segurança.
Nesta busca, um conceito foi se formando: o da felicidade. Vivemos tentando definir este sentimento, tendo ele passado pelas mais diversas ideias e jamais sendo obtido em sua plenitude pelos habitantes deste planeta.
Na Grécia surgiu a ideia de que a felicidade se nutre do belo, através da cultura do Espírito.
Epicuro, filósofo grego do período Helenista, acreditava que a chave da felicidade é a sabedoria. Sócrates, no momento derradeiro da sua existência, afirmou:
“O homem não são suas vestes, seu invólucro, mas seu Espírito”.
Posteriormente o ideal epicurista sofreu violenta transformação, passando essa Escola a representar um conceito deprimente, por expressar gozo, posse, prazer sensual. Os continuadores deste filósofo fixaram o epicurismo nas lutas pela propriedade, ensinando que o homem somente experimenta felicidade quando pode gozar, seja através do sexo desgovernado ou mediante o estômago saciado. Fomentaram a máxima: possuir para gozar, ter para sobreviver, esquecidos de que a posse possui o seu possuidor, não poucas vezes, atormentando-o, por fazê-lo escravo do que tem. Este conceito permanece até hoje, para muitos, como sinônimo de felicidade.
Muitos cultivam a convicção de que a felicidade é ter uma vida tranquila, sem problemas, mas o que seria da nossa existência sem os desafios? São eles que nos movem, são eles que nos fazem levantar pela manhã e sair em busca do pão de cada dia.
O excesso de tranquilidade nos paralisa, nos torna pessoas desinteressadas em aprender e progredir. As dificuldades têm função educativa e, se bem aproveitadas, tornam-se lições de valor incalculável. Como conseguiríamos desenvolver a compaixão sem a compreensão da dificuldade do outro? Passarmos por problemas facilita a nossa compreensão. A expectativa de uma vida tranquila e sem problemas nos levaria a uma vida aborrecida e sem valor.
Atualmente o pensamento atingiu o período tecnológico, estabelecendo a chamada “sociedade de consumo”. A felicidade torna-se a busca incessante da aquisição e renovação dos bens materiais; é necessário possuir tudo o que é oferecido pela mídia; criam-se nas pessoas novas necessidades fundamentadas unicamente no desejo dos fabricantes de vender seus produtos. As pessoas se sentem obrigadas a seguir essas tendências, mesmo que não percebam, e se tornam infelizes e desesperançadas.
Jesus e a Felicidade.
Se formos ao Novo Testamento veremos, no Sermão do Monte, verdadeira obra prima dos seus ensinamentos morais, Jesus nos mostrando a ventura dos aflitos, que serão consolados, numa clara alusão de que as aflições por nós sentidas são passageiras e que a forma que passamos por elas tem imenso valor para o nosso aprimoramento moral.
Encontramos em Mateus 5:12 Jesus nos dizendo com todas as letras:
“Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.
Jesus preconizou que o homem deve viver no seu mundo, mas sem pertencer a ele, ou seja, sem nos tornarmos escravos dos bens materiais, atribuindo-lhes o valor adequado à manutenção da nossa existência terrestre. Ele nos disse também que o seu reino não é deste mundo, anunciando que existem lugares melhores do que a Terra, planeta azul onde predominam os sentimentos inferiores, que nos afastam do bem e do amor. Deixou-nos também que a chave da felicidade é amarmos ao próximo como a nós mesmos, com a prática constante da caridade.
Visão da doutrina espírita.
Tanto antigamente quanto hoje em dia, encontramos relatos de uma falta de perspectiva, de um vazio presente nas pessoas que, independentemente de sua condição social, das suas posses e do modo de vida voltado ao cultivo do prazer, as faz sentirem-se tristes, longe da felicidade tão desejada.
Neste sentido, encontramos em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo 5, Bem-aventurados os aflitos, no seu item 20, a instrução do Espírito Cardeal Morlot que inicia o seu relato da seguinte maneira: “Não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim! Exclama geralmente o homem em todas as posições sociais. Isso, meus caros filhos, prova, melhor do que todos os raciocínios possíveis, a verdade desta máxima do Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo.””
Quando vamos ao livro de Eclesiastes, que faz parte dos livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã e judaica, que vem depois do Livro dos Provérbios e antes de Cântico dos Cânticos, não encontramos a frase “a felicidade não é deste mundo” escrita de forma direta, mas um relato que pretende ensinar os caminhos para melhorar a vida e atingir a felicidade. Vemos uma crítica às ilusões que um determinado sistema de sociedade apresenta como ideal (riqueza, poder, ciência, prazeres, status social, trabalho para enriquecer etc.) e coloca uma pergunta fundamental: Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Ou seja, para onde dirigimos o nosso esforço diário, o que desejamos da nossa existência?
Existe ali a noção de que a felicidade em nosso planeta não é plena, que a felicidade não é deste mundo. Mas por quê?
Encontramos em O Evangelho Segundo o Espiritismo, nos capítulos 2 e 3, os motivos que levam a esta conclusão.
No capítulo 2, temos a justificativa para a frase que Jesus disse a Pilatos quando questionado se ele era rei. Jesus responde: “Meu reino não é deste mundo”. Por essas palavras, Jesus claramente se refere à vida futura, que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como a meta a que a Humanidade alcançará e devendo constituir objeto das maiores preocupações do homem na Terra.
A resposta do Divino Mestre também nos faz considerar a existência de outros lugares, ou mundos, onde a vida prospera em condições diferentes daquelas que temos aqui.
No capítulo 3, de O Evangelho Segundo o Espiritismo – Há muitas moradas na casa de meu Pai – podemos ver que a casa do Pai (Deus) é o Universo, onde existem diversas categorias de mundos habitados, cada um adequado às condições evolutivas dos Espíritos que nele reencarnam.
Temos assim mundos primitivos, onde a existência é toda material, onde reinam soberanas as paixões, sendo quase nula a vida moral, ali encontramos Espíritos no início da sua jornada evolutiva, experimentando as primeiras lições da sua existência.
Em seguida temos os mundos de expiação e provas, entre os quais temos a Terra, este nosso planeta de aprendizado, onde predomina o mal, razão por que aí vive o homem a braços com tantas misérias.
Temos a seguir os mundos de regeneração, nos quais as almas que ainda têm o que expiar renovam as forças, e tem um maior progresso moral.
Após, temos os mundos ditosos ou felizes onde o bem sobrepuja o mal e finalmente os mundos celestes ou divinos, habitações de Espíritos depurados, onde exclusivamente reina o bem.
Aqui na Terra, mundo de expiação e provas, vivemos uma mescla de momentos de alegria e tristeza, de felicidade e amargura, de bem estar e sofrimento, típicos do aprendizado que devemos obter para seguirmos adiante em nossa jornada evolutiva.
Desde tempos remotos, como, por exemplo, os romanos com seus “Campos Elíseos” até os dias atuais, pressentimos ou sabemos intimamente que existem mundos melhores do que este em que estamos atualmente. Isso nos impulsiona a caminhada, nos faz desejar sermos pessoas melhores, sermos merecedores de ser admitidos em mundos onde as dificuldades são compreendidas como bênçãos e não como castigo.
Podemos pensar então que, se estamos em um planeta onde a felicidade se resume a momentos felizes, não temos aqui pessoas felizes?
Temos diversos exemplos na humanidade de Espíritos elevados que encontraram a felicidade em valores muito distantes dos bens materiais. Francisco de Assis, Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce e tantos outros eram felizes, mesmo sem as condições que imaginamos como ideais.
Existem Espíritos que encarnam entre nós para exemplificar o código de conduta mais adequado à nossa existência; vêm eles aqui para nos mostrar o lado certo que devemos olhar para encontrar a felicidade. Se partirmos do princípio de que somos seres em constante evolução, que aprendemos a cada nova experiência iremos compreender que os elementos que compõem as condições que imaginamos como ideais são transitórios. Veremos assim que é necessário mudar o foco da nossa busca e assim alcançar os valores trazidos por estes benfeitores, que se baseiam em servir ao próximo com a prática da caridade.
Na questão 920 de O Livro dos Espíritos, os Espíritos dizem que não podemos encontrar a felicidade completa na Terra, pois a vida nos foi dada como prova ou expiação, mas que depende de nós suavizarmos nossos males e o ser tão feliz quanto possível na Terra. Suavizar os nossos males passa necessariamente pela compreensão e consequente aceitação das dificuldades que vivenciamos.
No capítulo 5 de – O Evangelho Segundo o Espiritismo – Bem aventurados os aflitos- encontramos diversos itens que nos esclarecem as causas anteriores, atuais e até mesmo futuras das nossas aflições. Esclarece que não somos castigados por Deus, que a todos nós ama, mas sim educados por Ele.
A Terra é uma grande escola e, como tal, passamos pelas mais diversas disciplinas, objetivando a nossa formação. Quando aceitamos a nossa condição de aprendizes e não de mestres, as dificuldades continuam existindo, mas a nossa percepção as conduz à sua verdadeira importância. Não devemos dar valor maior ou menor que o necessário às nossas provas neste planeta. Assim como na escola, podemos passar a vida reclamando ou aproveitando as lições.
Não são somente os Espíritos elevados que nos dão exemplos de felicidade verdadeira. Apesar das dificuldades que naturalmente encontramos em nossa existência terrestre, vemos em nosso dia a dia pessoas comuns, no sentido social da palavra, que experimentam um estado de felicidade que muitas vezes não julgamos possível na situação em que se encontram. Temos como exemplo os artistas de rua, não aquelas pessoas que foram obrigadas a sê-lo por falta de opção melhor, mas aquelas que acham que expor a sua arte é o melhor, independentemente da remuneração obtida com seu trabalho. A satisfação de fazer o que gosta é melhor que a recompensa financeira. Em um cruzamento de ruas em São Paulo, vimos um grupo de artistas que se apresentava para os veículos que aguardavam o semáforo abrir. Violinista, bailarina, palhaço e malabarista estavam se divertindo na frente dos carros. Ao voltarem para a calçada para aguardar pela nova apresentação se mostravam pessoas sorridentes, conversando alegremente. Isso nos faz pensar sobre o quanto, ou de que precisamos para “suavizarmos nossos males e sermos tão felizes quanto possível na Terra”.
Onde será que encontraremos a felicidade? Dentro ou fora de nós?
Existem centenas de livros e publicações, pessoas nos trazendo as mais diversas fórmulas para nos sentirmos felizes. Isso mostra o quão difícil é nos sentirmos bem.
Com certeza não são os bens materiais que nos trazem a felicidade, pois como encontramos no livro “Uma razão para viver” de Richard Simonetti, “a felicidade não é uma estação, na viagem da existência; é uma maneira de viajar”.
A doutrina espírita nos esclarece de forma muito racional e objetiva as razões e os porquês daquilo que nos acontece e sentimos.
Se formos sintetizar a maneira de encontrarmos a felicidade dentro de nós mesmos, basta olharmos para o nosso interior e não para fora, como costumamos fazer.
Lá encontraremos a semente da verdadeira felicidade, o amor verdadeiro, o amor que transcende a matéria e nos coloca em comunhão com o Divino. Todos nós temos a felicidade verdadeira dentro de nós, basta cultivá-la e ela crescerá, atrofiando os sentimentos que nos deixam infeliz. Se dermos prioridade ao perdão, à compreensão, à caridade, ao invés do orgulho, da vaidade, ambição, melindres, não haverá espaço dentro de nós para a tristeza.
Finalizando, encontramos na obra Céu e Inferno de Allan Kardec que a completa felicidade prende-se à perfeição, isto é, à purificação completa do Espírito.
Toda imperfeição é, por sua vez, causa de sofrimento e de privação de gozo, do mesmo modo que toda perfeição adquirida é fonte de gozo e atenuante de sofrimentos.
Isso significa que a nossa rota para a felicidade plena passa pela nossa evolução moral, pela prática da caridade e do amor (verdadeiro) ao nosso semelhante.